Hypes surgem a todo momento e mudam o debate nas redes sociais. Muitas vezes, elas não chegam a impactar muitos negócios, mas é bem provável que algum diretor da sua empresa faça um departamento inteiro focar todos os seus esforços para aproveitar a hype do momento. Este post trará uma reflexão sobre o tema e, por fim, proporá uma técnica de análise da hype. Começaremos definindo o que é hype e como ela se comporta ao longo do tempo. Em seguida, apresentaremos algumas formas de pensar a tecnologia, com o objetivo de remover o ruído sobre a hype e sobre como podemos utilizá-la. Finalmente, proporei um canvas de análise da hype.
1. O que é Hype?
Procurando responder à primeira pergunta o que é hype?, resolvi perguntar ao ChatGPT, que prontamente me forneceu uma resposta aceitável.
Hype é um termo usado para descrever uma excitação excessiva e uma atenção intensa direcionada a uma ideia, produto, pessoa ou evento, geralmente promovida por meios de comunicação e redes sociais. A hype muitas vezes cria expectativas elevadas, que nem sempre correspondem à realidade, influenciando comportamentos e decisões de mercado de forma temporária. Ela tende a surgir rapidamente e pode desaparecer com a mesma velocidade, dependendo de como o interesse e a novidade são sustentados ou comprovados ao longo do tempo.
Como bem sabemos que o ChatGPT não é uma fonte confiável, fui procurar no Google “hype definição” e encontrei uma boa definição em um site de moda. No site, é afirmado qe hype vem de hyperbole, ou hipérbole em bom português, que é uma figura de linguagem onde há o uso intencional do exagero.
Hoje a palavra se tornou uma gíria e é muito utilizada por jovens para transmitir ideias, produtos e marcas virais conhecidas mundialmente. Para ser um hype ou hypebeast - termo para pessoas que adotam o estilo de vida hype, você precisa seguidamente estar de olho nas tendências, possuir alguns acessórios raros e exóticos também será um diferencial.
Com essa análise superficial, não consigo fazer o levantamento etimológico do uso dessa palavra para designar tecnologias, mas desde 2006 conheço a metodologia de análise do ciclo de vidas das tecnologias do Gartner, que intencionalmente usa o termo Hype Cycle, ou ciclo da hype, para descrever como a tecnologia se comporta no imaginário das pessoas.
A metodologia Gartner Hype Cycle proporciona uma visão de como uma tecnologia ou aplicativo evoluirá com o tempo, fornecendo uma fonte segura de insight para gerenciar sua implantação no contexto de suas metas de negócios específicas.
O Hype Cycle vai definir o ciclo de vida em 5 fases bem distintas: Acionador de inovação, Pico de expectativas infladas, Vale da desilusão, Ladiera da informação, Planície da produtividade. A intenção do Hype Cycle é, como eles próprios dizem:
- Separar a propaganda dos fatores reais da promessa comercial de uma tecnologia.
- Reduzir o risco de suas decisões de investimento em tecnologia .
- Comparar sua compreensão do valor comercial de uma tecnologia com a objetividade de analistas de TI experientes.
2. Como Pensar a Tecnologia?
Existem diversos autores que refletem sobre os conceitos de tecnologia e técnica, cada um com sua própria visão e viés de análise. Não conheço nenhum autor que se concentre exclusivamente na crítica à adoção da tecnologia por empresas e pessoas. No entanto, vou citar os que conheço com base em minhas leituras. Comecei por “Technics and Civilization” de Lewis Mumford e “The Technological Society” de Jacques Ellul, buscando entender a evolução desses conceitos e críticas. Esses são os livros que merecem ser referenciados, e ambos seguem um padrão semelhante: apresentam uma perspectiva histórica e revisitam o passado para observar seu ponto de vista.
Lewis Mumford apresenta a ideia de que o homem está intrinsecamente ligado às ferramentas. Ele argumenta que o homem é um animal capaz de criar ferramentas, e que o homem moderno é moldado por elas. Um dos pontos mais marcantes do livro, para mim, é a descrição de como a rotina de um mosteiro levou à invenção do relógio, que moldou toda a cultura humana moderna, baseada no tique do relógio em vez do ritmo biológico do corpo. Caso tenha interesse, tomei notas durante a leitura dos dois primeiros capítulos.
Jacques Ellul apresenta o conceito da técnica como uma evolução da discussão de Lewis Mumford. Técnica precede Tecnologia e pode ser inconsciente. Existem técnicas de pesca, mas nem sempre o pescador reflete sobre a técnica. Quando o indivíduo reflete sobre a técnica, entende o processo e tenta otimizá-lo, temos o Fenômeno Técnico. Na indústria de TI, mais conhecida como Tecnologia da Informação, há pouca reflexão sobre a técnica, e poucas empresas aplicam o fenômeno técnico, preferindo adotar metodologias da moda acriticamente, sem observar os resultados. Toda técnica implica um resultado: o pescador deseja retornar para casa com peixes; se ele quiser mudar a técnica de pesca, deve procurar um objetivo de performance, seja reduzir o tempo de pesca ou aumentar a quantidade de peixes.
Ellul escreveu sobre a técnica tentando entender sua relação com a liberdade humana, e essa discussão pode ser crucial quando consideramos nossa interação com artefatos tecnológicos. Um exemplo relevante é o artigo publicado pela Universidade de Chicago, “Brain Drain: The Mere Presence of One’s Own Smartphone Reduces Available Cognitive Capacity”, que analisa como a presença de smartphones afeta nossa capacidade cognitiva. Isso corrobora a discussão de Shoshana Zuboff em “A Era do Capitalismo de Vigilância”, que argumenta que, na era do capitalismo atual, a atenção humana substituiu o petróleo como principal recurso. E não pense que estou divergindo: Ellul também escreveu um livro chamado “Propaganda: The Formation of Men’s Attitudes”, que reflete sobre como nossas atitudes e opiniões são moldadas pelos artefatos que nos cercam. Estamos imersos em uma cultura que vê a tecnologia como uma salvadora e redentora da humanidade (leia o capítulo “Technique Unchecked” de The Technological Society) e não faz nenhuma reflexão sobre tecnologia e propaganda.
Essa discussão pode parecer distante do cotidiano de uma empresa, pois esses escritos analisam a sociedade como um todo, mas possuem reflexos evidentes. Ellul classifica a propaganda em dois tipos: sociológica e racional. Para evitar entrar na discussão sociológica, é importante entender que ninguém é uma ilha; vivemos em sociedade e influenciamos uns aos outros. Assim, podemos categorizar nossas relações com os meios de comunicação e com os outros.
A propaganda racional ocorre quando uma empresa, ou estado, cria artefatos para divulgar uma ideia, ou um produto, de forma intencional e planejada. Por outro lado, a propaganda sociológica acontece quando as pessoas se influenciam mutuamente. Por exemplo, a hype em torno do modelo Spotify surgiu quando alguém escreveu sobre a estrutura de equipes do Spotify. Muitas pessoas passaram a advogar pelo uso dos modelos de guildas e tribos como se tivessem lido o livro, mas muitas nunca o leram, apenas assistiram a relatos ou palestras de terceiros. Isso é claramente um efeito da propaganda sociológica.
A tecnologia é o produto de diversas empresas que criam campanhas publicitárias (propaganda como técnica) com o objetivo de aumentar sua adoção (observe o objetivo da técnica). Quando coordenei a trilha de microsserviços de eventos de tecnologia, frequentemente me deparei com palestras que eram meras propagandas de produtos. Não quero demonizar a profissão de DevRel, mas meu compromisso era com a comunidade, e sempre me perguntava: “quanto essa palestra realmente contribuiu para a comunidade?” Muitos dos produtos apresentados nas palestras que selecionei e que ganharam destaque acabaram sendo descontinuados pela empresa em pouco tempo. Diante disso, aprendi uma lição importante: prefiro apresentar conceitos junto com o produto, pois, se o produto não prosperar, as pessoas que me ouviram levarão o conceito adiante.
Nós, como colaboradores de empresas (o uso do termo colaborador é uma técnica para aumentar o senso de pertencimento), também adotamos técnicas e tecnologias e somos expostos a propaganda. Por isso, é crucial racionalizar sobre esses elementos. Quando entendemos a técnica, tornamo-nos menos suscetíveis à propaganda, e, ao sermos menos suscetíveis, conseguimos realizar análises mais precisas. A cultura corporativa possui um longo histórico de boas ferramentas para análises. Sempre fui fascinado por essas discussões, mas durante meu MBA, percebi que elas devem resultar em ferramentas eficazes, pois, são complexas e custosas e as decisões do dia a dia precisam ser rápidas e objetivas.
3. Como as Empresas Realizam Análises?
Durante a construção da estratégia de uma empresa, existem diversas ferramentas que nos ajudam a compreender e representar visualmente o que está sendo discutido. No site do SEBRAE podemos encontrar um resumo das principais ferramentas e um otimo material de apoio.
Dessas ferramentas eu vou destacar duas importantes: a Análise SWOT e o Canvas do Modelo de Negócio. Ambas ferramentas possuem em comum a construção de elementos visuais que podem ser compartilhados e impressos. Como já falei no tópico anterior, elementos visuais são importantes porque são fáceis de compreender e podem servir para rememorar decisões e fatores que levaram a decisões.
Claro! Aqui está uma versão revisada do parágrafo:
Existem outras formas de análise, como os Architecture Decision Records (ADR), que são registros simples e numerados das decisões arquitetônicas, armazenados em um repositório. A intenção de um ADR é documentar o motivo por trás das escolhas arquiteturais. Outra abordagem interessante são os Request For Comments (RFC), documentos construídos colaborativamente. Em Java, temos o JDK Enhancement Proposal (JEP) e, no Kafka, o Kafka Improvement Proposal (KIP). Todos esses documentos fornecem uma argumentação arquitetural para a adoção de novas tecnologias.
Podemos concluir que as empresas frequentemente utilizam questionários e documentos para criar documentações arquiteturais. Portanto, uma boa ferramenta seria um documento que reúna informações sobre necessidades de negócio, limitações tecnológicas e oportunidades de uso.
4. Construção de um questionário
Para construir este questionário, levantarei algumas questões que serão brevemente explicadas quanto ao motivo do questionamento. Além disso, fornecerei respostas como se estivesse avaliando o ChatGPT para a escrita de blogs.
- Qual é o nome do produto?
- Qual é o nome da tecnologia?
- Quais são os produtos que utilizam a mesma tecnologia?
- Quais são as limitações documentadas da tecnologia?
- Qual é o problema que essa tecnologia tenta resolver?
- Existem experiências de uso da tecnologia detalhadas? Essas experiências são relatadas por pessoas da empresa fornecedora?
- Quais foram as dificuldade encontradas para implantação dessa tecnologia?
- Quais foram os resultados relatados após a implatanção?
- Como é possível analisar a confiabilidade dessa tecnologia?
- Existe solução open source?
- Caso a empresa desista do produto, é possível continuar mantendo o projeto?
Embora (1) seja uma pergunta básica, é importante saber diferenciar tecnologia de produto. No caso do ChatGPT, existem dois produtos distintos: o ChatGPT e o GPT. O ChatGPT é construído sobre o GPT, utilizando sua tecnologia como base.
Embora (2) devesse ser uma pergunta básica, muitos não a fazem. O ChatGPT é construído sobre uma Large Language Model (LLM), o GPT.
Sobre (3), é sempre interessante explorar as alternativas aos produtos e não concluir que um produto é exclusivo. O CoPilot, por exemplo, seria uma alternativa ao ChatGPT. Além disso, existem outros Large Language Models (LLMs) disponíveis no mercado e alguns podem ser usados localmente sem dependência de empresas terceiras.
Em (4), devemos conhecer as limitações que a tecnologia nos impõe. A existência de uma limitação não implica que a tecnologia não será usada, mas que devemos estar cientes dela para compreender possíveis problemas na adoção. No caso do GPT, sabemos que há o problema de alucinação, onde trechos do texto podem não conter informações reais.
Em (5), procuraremos entender a real intenção por trás da criação da tecnologia. No relatório técnico sobre o GPT-4, podemos encontrar que a tecnologia foi desenvolvida para melhorar a capacidade de entender e gerar texto natural (Natural Language Processing). Isso indica que o GPT-4 é excelente para geração e compreensão de texto. No entanto, o relatório revela que o modelo não possui uma base de dados própria, mas apenas prevê a próxima palavra a ser encadeada no texto. Ou seja, ao usar o ChatGPT em postagens de blogs, pode-se ter a impressão de que o leitor já viu o conteúdo em outro lugar, pois o texto tende a ser uma mera repetição estatística do que é mais esperado. Em outras palavras, a próxima palavra que o GPT fornecerá provavelmente será a que o leitor espera ver.
As demais perguntas podem guiar na implantação da tecnologia. Uma grande precupação deve ser o que acontecerá se a tecnologia/produto for descontinuado, não podemos atrelar nosso produto as vontades de empresas terceiras.
Ao responder a todas essas perguntas, a ideia é criar um documento que oriente o uso da tecnologia. Esse documento deve ser visual, podendo assumir a forma de um guia ou diagrama. O mais importante é que a empresa não deve ser como uma hidra sem cabeça, com cada parte agindo de forma independente e até conflitante; em vez disso, deve atuar de forma coordenada, com um objetivo claro em mente.
Conclusão
Escolhas técnicas não devem ser baseadas apenas na hype! Hypes vêm e vão, mas nossas empresas permanecem. Devemos criar produtos que agreguem valor às nossas organizações, enquanto as Big Techs querem que desenvolvamos produtos que utilizem suas próprias tecnologias. A gerência da organização deve liderar a inovação, estabelecendo centros de experimentação e criando guias para o uso das novas tecnologias.